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Sexualidade na terceira idade é "um mundo incrível". "É um desejo que se mantém até aos 80, até aos 90"

Foto do escritor: Edvanderson RodriguesEdvanderson Rodrigues

ENTREVISTA || Da sexualidade feminina aos problemas ambientais, sem esquecer os desabafos por causa de um mau chefe, Filipa Fonseca Silva já tem oito livros publicados. À conversa com a CNN Portugal, contou tudo sobre uma obra que visa quebrar tabus

Uma enorme caixa preta recheada de acessórios sexuais e um baloiço pendurado numa das paredes de casa são o suficiente para a família acreditar que Helena, à porta dos 80 anos, está “louca”. Mas a mulher garante que não está a ficar “xexé”. Esta é a premissa do livro “E se eu morrer amanhã?” de Filipa Fonseca Silva, que retrata uma realidade pouco abordada: o sexo geriátrico.



“Valha-me Deus. A tua mãe enlouqueceu”, reage a nora Marília. “Para o que havia de te ter dado depois de velha…”, critica a amiga Amália. São algumas das reações que a personagem principal desta história recebe quando a sua intimidade fica à vista de todos, mostrando que a sexualidade feminina "ainda é um assunto tabu", como explica a autora à CNN Portugal.

A obra lançada em 2023, que vai também estar disponível no Brasil em março, está em vias de adaptação para filme. Esta vai ser a segunda adaptação cinematográfica baseada num livro de Filipa Fonseca Silva - o primeiro estreia este mês.

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“O Elevador” é o livro que inspirou a curta-metragem protagonizada por Inês Barros e Carlos Malvarez. A estreia acontece a 23 de novembro pelas 17:00, no cinema Fernando Lopes, em Lisboa, sendo a sessão aberta ao público. O filme fica depois disponível no YouTube.


Começou a publicar em 2011 e já conta com um repertório de oito livros. Há obras que abordam temas tabu, temas do quotidiano ou temas na ordem do dia. Como explica esta variedade?


Sinto-me muito confortável no meu romance contemporâneo e gosto muito de contar histórias. Gosto muito do realismo do século XIX, de ler um livro que foi escrito nessa altura e sentir-me como se estivesse lá, de perceber como é que era o quotidiano daquelas pessoas e tento fazer isso nos meus livros - se forem lidos daqui a 20 ou 30 anos que as pessoas saibam como é que era a vida quotidiana. E gosto de falar de pessoas comuns ou aparentemente comuns - não gosto de escrever histórias de grandes heróis que fizeram um efeito extraordinário ou que sofreram uma atrocidade enorme. Gosto daquelas pessoas que parece que não acontece nada na vida delas, porque são pessoas como nós e, mesmo que achemos que a nossa vida é banal, acontecem muitas coisas, que são universais.



Ao mesmo tempo, gosto de tentar explorar sempre algum tema que me inquieta e que se calhar não é muito falado, como aconteceu no “E se eu morrer amanhã?”, que é a sexualidade das mulheres mais velhas. Mas tento não dar uma mensagem ou ter moral da história, ou seja, tento nos meus livros não tomar um partido - está ali a semente para as pessoas pensarem sobre aquele assunto e depois tiram as suas conclusões.


Pegando precisamente no "E se eu morrer amanhã?", como é que esta história surgiu?

Eu estava a escrever o livro “Admirável mundo verde”, que é uma distopia em que um grupo de ambientalistas decide derrubar o poder e impor uma sociedade totalmente verde e ecológica, e estava um bocadinho frustrada, porque sabia onde queria chegar, mas não estava a conseguir perceber como ia chegar a esse lugar. Um dia estava a almoçar em casa dos meus pais e a minha mãe disse que tinha uma história engraçada para me contar: durante a pandemia, uma amiga que vive em França e que fazia acompanhamento a uma senhora com 84 anos decidiu arrumar gavetas e armários e foi aí que se deparou com uma caixa debaixo da cama da senhora que estava cheia de brinquedos sexuais.

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Quando a minha mãe me contou esta história, eu disse logo que ia ligar à amiga para ela me contar como é que isso aconteceu e ela explicou-me que era uma senhora superativa, andava de calças de ganga, sempre maquilhada e arranjada, que estava sempre a falar ao telefone com as amigas e que tinha um namorado mais novo.


E como é que a Filipa reagiu?

Na altura, percebi que nunca tinha pensado sobre esse assunto e que nunca tinha pensado sobre a possibilidade de mulheres de 80 anos continuarem a ter uma vida social, afetiva e sexual. Eu, que me acho uma pessoa muito mente aberta e enquanto escritora estou bastante atenta ao que me rodeia, pensei: “Se nunca pensei sobre isto, provavelmente as outras pessoas também não costumam pensar, porque nunca vi isto na literatura, no cinema nem em reportagens”. Questionei-me onde andariam estas mulheres ou se seria só esta, que seria uma ave rara, ou se seria uma coisa que existe e que nós não falamos sobre isso, porque até temos uma certa vergonha sendo os nossos avós ou os nossos pais.

Então, fui investigar sobre a sexualidade na terceira idade e descobri que é um mundo - e que é um mundo incrível. Fiquei muito feliz por ser um mundo incrível de que ninguém fala, mas que existe e ainda bem que existe.


 O que é que mais a surpreendeu na pesquisa que fez para o livro?

Surpreendeu-me a disponibilidade mental das pessoas arriscarem ter um novo amor e a criar uma relação, mesmo no que se chama “o fim da vida”, e não se deixarem ficar no papel que as sociedades ocidentais normalmente dão às pessoas mais velhas - que já não servem para nada, que estão ali a empatar, que já não são úteis - ao contrário de outras culturas mais orientais, em que os anciãos são pessoas respeitadas e são quase o núcleo de uma família ou de uma comunidade. Até encontramos algumas personagens mais velhas na literatura, mas são sempre histórias nessa vertente triste da velhice, do abandono, da demência, das doenças, da solidão e raramente há histórias da velhice feliz, da velhice saudável, ainda enérgica, ainda com saúde. Se calhar não é a maioria, mas existem pessoas que chegam aos 80 anos e estão bem de cabeça, estão bem fisicamente e porque não continuarem a sair? E porque não procurarem um novo amor? Embora a sociedade queira que não se fale disso ou que se tenha vergonha ou que seja um tema um bocado tabu, a sexualidade, sendo uma das coisas mais importantes na vida de qualquer adulto, é um desejo que se mantém ainda até aos 80, até aos 90.



Enquanto as pessoas são vivas sentem desejo, sentem vontade, sentem a necessidade do toque humano. Achei ternurento também descobrir que a sexualidade nessas idades muitas vezes já não é vivida como nos 20 ou nos 30 - muito energicamente e muito estilo filme erótico - mas às vezes a sexualidade é só a intimidade, é o estar lá. Vi muitas entrevistas em que as pessoas diziam que a melhor parte era a preparação, o saber que iam ter com a pessoa, todo o ritual de se vestirem, de se prepararem, de encontrarem um local e às vezes acabavam por ficar apenas abraçadas - isso também é uma forma de intimidade e de viver a sexualidade.


Esta é também uma realidade em Portugal?

Sim. Não há muitos estudos ou quase nenhum estudo em Portugal sobre sexualidade, sobretudo das mulheres. Os estudos da sexualidade geriátrica então são mínimos. Mas depois de publicar o livro, uma grande quantidade de pessoas veio ter comigo a dizer: “Ainda bem que contou esta história, porque a minha avó é assim” ou “Porque o meu avô é assim”. Há pessoas que trabalham em lares que disseram: “Devia ter vindo falar comigo, que eu contava-lhe ainda mais histórias”. Porque estas coisas existem, apesar de as pessoas acharem que não. São as pessoas que trabalham em lares, as que trabalham com idosos que sabem que é verdade. Às vezes até me rio quando vejo algumas críticas ou pessoas a dizer que a história é muito divertida, mas que é ficção, porque isto não acontece. Acontece! E eu tenho tido inúmeras pessoas que vêm ter comigo a dizer que acontece e a agradecer por ter escrito esta história, por dar voz a estas pessoas. Muitas vezes não sabemos das histórias, porque as pessoas têm vergonha.



Nós vimos de uma ditadura - as pessoas que têm hoje 80 anos cresceram num país muito conservador, muito moralista, muito católico, por isso as mulheres tal como a minha Helena normalmente casavam com o primeiro e único namorado e a sexualidade que tinham era a sexualidade que o marido lhes permitia ter. Se fosse um bom amante, sorte a delas, mas se fosse um zero à esquerda, azar o delas - tinham de ficar o resto da vida com um homem que nunca lhes deu prazer. Isto foi a realidade da maioria das mulheres durante muitos anos, até aos anos 80 ou 90, quando finalmente o divórcio começou a ser uma coisa mais comum e os temas da sexualidade começaram a ser mais abordados, foi quando chegaram as revistas femininas a Portugal e quando começaram também aos poucos a abordar assuntos de sexualidade de prazer, do corpo da mulher. Portanto, não se fala sobre isto e as pessoas acham que isto é mentira, porque realmente ainda é um assunto tabu e eu quis com este livro levantar o véu.


E sente que conseguiu levantar o véu?

Acho que sim. Por exemplo, no Clube das Mulheres Escritoras, do qual faço parte, temos uma autora que vai lançar no próximo ano um livro sobre a relação entre neta e avó, com uma avó também muito ativa. Ela disse que a decisão de escrever esta história foi ter lido o “E Se Eu Morrer Amanhã?”. Com este livro, sinto que se abriu uma porta para falar sobre estes temas, para criar mais histórias à volta de pessoas mais velhas, para não serem sempre retratadas como os desgraçadinhos, os coitadinhos, os abandonados e doentes, com que ninguém quer lidar.


A Filipa Fonseca Silva conta com oito livros publicados. Foi a primeira escritora portuguesa a atingir o Top 100 da Amazon, com a versão inglesa da obra "Os 30 - Nada é como sonhamos"

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Há alguma reação ao livro que a tenha marcado?

Há umas semanas recebi um convite para ir a uma biblioteca no Alentejo, onde o livro foi lido no âmbito da universidade sénior com pessoas com mais de 65 anos. As pessoas não só adoraram o livro, como, disse-me a pessoa que fez o convite, volta e meia muitas delas dizem: “E se eu morrer amanhã?”; “Eu vou fazer isto porque sei lá se morro amanhã”. E é espetacular saber que a minha personagem inspira as pessoas a tirarem daquele livro precisamente a mensagem que é o mais importante: que a vida não acaba apesar das idades e das limitações que possam existir e que só se vive uma vez. Podemos todos morrer amanhã, jovens ou velhos, porque não aproveitar? Acho que as mensagens mais comoventes têm sido essas, de pessoas que dizem que nunca vão esquecer a Helena, que vão reler e que vão viver com este mote.


Este livro chegou a muita gente por causa das redes sociais e é inegável que há cada vez mais pessoas a ler em Portugal por causa delas. Como vê o papel que as redes sociais estão a ter a esse nível?


As redes sociais têm sido uma alavanca muito importante para os autores portugueses, porque em geral são sempre relegados para segundo plano. Em Portugal, temos infelizmente ainda um certo provincianismo de que o que vem lá de fora é que é bom e as livrarias continuam a dar sempre destaque a esses bestsellers. Se entramos nas livrarias, qualquer que seja a cadeia, e formos ver quantas estantes há de autores lusófonos e quantas há de literatura estrangeira… Eu acho que é quase insultuoso, porque toda a literatura lusófona - não é portuguesa, é lusófona - normalmente está numa estante, talvez duas, com os novos que ninguém conhece e os célebres que toda a gente conhece, todos juntos, estamos lá todos. O resto da livraria é literatura estrangeira. E isso é exatamente o contrário do que acontece nos outros países.


No Clube das Mulheres Escritoras, deixámos como sugestão na conferência da APEL debater muito agora no ano 2025 e talvez mesmo tentar falar com as instâncias competentes para tentar que haja quotas para os autores portugueses, tal como há para a música. As quotas que foram impostas de música portuguesa nas rádios têm estado a ter um enorme resultado - não há vez nenhuma que ligue a rádio e não esteja a dar alguma banda portuguesa. Estamos lá no mundo da música e agora é preciso que mude também no mundo da literatura. Era uma boa forma de as pessoas conhecerem outros autores que não sejam o Saramago, o Eça de Queirós, o Virgílio Ferreira e os autores que as pessoas são obrigadas a ler na escola.


Está prestes a ser lançado o filme baseado no livro "O Elevador". O que nos pode adiantar sobre ele?

O filme é uma adaptação feita por uma atriz e um realizador, que é a Inês Barros e o Fábio Rebelo. A Inês leu o meu livro há dois anos, quando saiu, e ficou apaixonada pela história e ficou um ano inteiro a pensar naquilo. Em outubro do ano passado, veio muito timidamente falar comigo para saber se eu daria autorização para esta curta-metragem. O que achei mais incrível na Inês e no Fábio foi eles terem decidido fazer eles próprios o projeto acontecer, em vez de estarem à espera, candidatar-se a um concurso disto ou daquilo para ter financiamento. Eles investem o seu dinheiro e o seu tempo a fazer o seu próprio projeto, sem precisar de ninguém, e só isso deu-me logo vontade de dizer que sim, porque, quando as coisas não acontecem, temos de ser nós a fazer acontecer. Esta postura da Inês e do Fábio até me fez sentir um certo privilégio por terem escolhido uma obra minha. As filmagens decorreram em abril e o filme agora está mesmo no fim da pós-produção para estrear em novembro.



E o que se segue na escrita?

Está sempre alguma coisa no forno, porque tenho muitas vozes a viver na minha cabeça e tenho um caderno cheio de ideias que me vão surgindo. Está a começar a fermentar uma delas e, depois da estreia do filme, vou sentar-me e começar a delinear o próximo começo. Entretanto, também estou a escrever bastantes contos, que é um género que é muito pouco considerado em Portugal, embora tenhamos grandes contistas. Sempre escrevi contos e está a crescer em mim muito o bichinho do conto. Por isso, além de um próximo romance que já está aqui a fermentar, gostaria de publicar um livro de contos, porque já tenho alguns que acho que valia a pena serem publicados.


Por fim, pedia-lhe que deixasse algumas recomendações literárias para os nossos leitores.

“Enquanto o fim não vem” de Mafalda Santos, “Misericórdia” de Lídia Jorge e “A menina invisível” de Rita Cruz.






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